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PÉS NA VILA E O OLHAR DO CORAÇÃO


Dois idosos aventuram-se em busca de interlocutores. Estão despojados de critérios e de expectativas extraordinárias. Para eles, simplesmente, caminhar e ter os olhos nos passantes, erguer e baixar a cabeça em saudação. E se der para conversar, avançam.

A primeira parada aconteceu na frente da casa da D. Cravina. Mulher que tem uma portinha com roupas penduradas em cruzetas, anunciando que é um brechó. Deixam quatro camisas sociais para a vizinha entregar para ela, porque tinha se ausentado.

Prosseguem, meio loucos para encontrar pessoas conhecidas ou que já tiveram algum contato anterior. Chegam ao fim da rua, meio frustrados. Decidem entrar no beco chamado Garantido, certos de que, ali, iam encontrar amigos das primeiras andanças. Dona Franca, nordestina, desceu logo e veio conversar. Adivinhou que queriam ver os patos que estavam crescendo, debaixo da casa, pertinho da água do Rio Mindu (igarapé), povoado pelos jacarés ameaçadores, mas que serviam de boa alimentação para alguns moradores.

Entramos na caminhada. Logo ouvimos e vimos uma draga escavadeira, limpando o caminho para entrar no rio e começar a trabalhar, ou melhor, como nos contaram, tirar a areia do fundo para a construção de tijolos e outros artefatos de concreto da Prefeitura. Triste, a "limpeza" seria apenas naquela área e não em toda a extensão do rio.

Mais adiante, encontramos homens sentados sobre pedras, a observar o movimento da draga. Conversamos sobre as águas límpidas do passado e as pedreiras existentes. Contaram que todas as casas ali utilizaram daquela areia quando foram construídas. No retorno, por outro caminho, aconteceu nossa maior surpresa de um encontro que descrevo. Aconteceu com o Chiquinho das Sucatas. Nosso maior personagem da manhã do dia de Nossa Senhora do Rosário. Meses a fio, avistara um homem negro, cabelo forte e enrolado, sempre muito sujo e cara fechada, que começou a responder o bom dia depois de muito insistir, ao vê-lo naquela ocupação. Quando não o via batendo peças grandes de ferro ou de plástico, destroçando-as, via-o sentado no alto dos resíduos já arrumados.

Hoje foi diferente o nosso encontro com ele, andando junto com meu amigo NS. Ao passar ao lado monturo, eis que o Chico vem com um aparelho em forma de violão. Abordamos, elogiando o engenho que fizera e chamando-o de artista. Ele mostrou-nos, a partir daí e com detalhe, sua inteligente fabricação. Dissemos que desejávamos fotografar seu engenho. Logo foi nos conduzindo para o espaço onde mora e faz suas artes, conserta coisas com peças tiradas de objetos que seu patrão compra. Faz isso nas horas livres, porque sua ocupação principal é separar os resíduos e fazer os lotes para a venda em grande volume para as empresas recicladoras.

O Chiquinho das Sucatas revelou-se, para nós, ser inteiramente outro, bem diferente daquele que suspeitávamos com nosso primeiro olhar. Homem terno, criativo, humilde, talvez se depreciando pelo trabalho que faz. Além do mais, mostrou o interior de seu cubículo, cheio de pequenas peças eletrônicas. Quando nos disse, com carinho, que sua mãe morava ali ao lado, percebemos ser filho amável, atencioso e cheio de bondade.

Diante de nós, veio a imagem de Jesus e o relato evangélico da transfiguração (Mc. 9, 2-13). O Chiquinho das Sucatas revelou-se para nós, exatamente nesses dias, logo após o outro chamado Chico de Assis. Não havia o monte Tabor e nem a gruta de São Damião, mas um monturo daquilo que outrora lixo, tornava-se um santo ofício capaz de transformar o mundo. Mateus 17:2 afirma que Jesus "Foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz." O rosto do Chiquinho das Sucatas iluminou nossa mente e quebrou nossos preconceitos , fazendo-nos mais ousados para investir em novas amizades e ouvir os pequenos santos anônimos que povoam esse mundo.

Descemos do "monte", nos despedimos e fomos conversando sobre beleza escondida dos olhos, e só encontradas quando o coração é capaz de ver. Confirma o que Saint Exupery escreveu: "O Essencial é invisível aos olhos"

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